sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Madrigal melancólico

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é A VIDA !!!

Manoel Bandeira

Esse poema foi um dos vários declamados pelo meu professor de Biologia do cursinho, Dècourt, em 1992. Todo final de aula ele dava um show, declamando um belo poema ou, por vezes, cantando uma canção em nossa homenagem. Aqui, em um vídeo que achei hoje, ele canta "Modinha", de Chico e Vinícius. Grande abraço, professor.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dorian Gray ao contrário

Ruy Castro

RIO DE JANEIRO – Caminhar pelas calçadas do Rio em tempo de eleição é disputar uma corrida de 400 metros com barreiras. Difícil dar um passo sem tropeçar nos cavaletes com as fotos dos candidatos.

Temos não apenas de driblá-los, como evitar que nos expulsem para o meio-fio, onde podemos ser atropelados por um carrinho de sorvete empurrado por um infeliz e equipado com um aparelho de som apregoando as virtudes dos candidatos. (Minha ideia de pesadelo é quando o carrinho está indo na mesma direção e no mesmo passo que eu, e não é possível ultrapassá-lo.)

Ao mesmo tempo, essa maratona atlética equivale também a um passeio no trem-fantasma, pelo sorriso alvar e engessado dos candidatos cujas fotos estão nas tabuletas. É o horror em versão Photoshop. São rostos altamente retocados, sem um vinco, uma olheira ou um dente cariado que tornassem mais humanos aqueles homens e mulheres a quem delegaremos nosso destino pelo futuro próximo.

Lembram-me "O Retrato de Dorian Gray", o grande romance de Oscar Wilde. No livro, o heroi continuava jovem e belo na vida real, enquanto o rosto do retrato, escondido num armário, envelhecia e ficava repulsivo, refletindo as maldades e ignomínias que Dorian cometia contra as pessoas.

No caso dos nossos políticos, será exatamente o contrário. Pelos próximos quatro anos, poderemos constatar as deformações monstruosas que a prática operará no rosto deles –os calombos, rugas, veias, cicatrizes e erupções provocados por suas traições ao eleitor, alianças repugnantes, negociatas, assaltos ao dinheiro público etc. Tudo isso, à medida que for acontecendo, ficará gravado em suas indisfarçáveis carantonhas.

Imutáveis, só as fotos. Dentro de quatro anos, as tabuletas com elas voltarão às calçadas, mostrando-os ainda mais jovens e frescos do que nas atuais eleições.

(Publicado na Folha de S. Paulo desta quarta-feira, 8 de setembro)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Parabéns, Corinthians!



“O Corinthians vai ser o time do povo e o povo é quem vai fazer o time"
Miguel Battaglia, primeiro presidente do Corinthians

Hoje é dia de sair por aí e comemorar o nosso dia. De vestir a camisa, mas não qualquer camisa – aquela, especial, toda branca ou alvinegra. De desfraldar as bandeiras – pequenas ou grandes – que todos temos em casa.

É dia de ver que há uma multidão nas ruas, unida por uma mesma paixão. De cumprimentar aquela pessoa que passa por você, nunca te viu, não te conhece, talvez jamais veja de novo na correria da cidade grande, mas que está para sempre ligada a você. Não te conhece, mas te reconhece pelos detalhes: a roupa, o sorriso, a fé estampada no olhar.

Hoje é aquele dia em que os outros – os homens de pouca fé – não entendem a alegria que a gente sente. A alegria de pertencer a um grupo que nasceu pequeno, pobre, pelas mãos de operários do Bom Retiro, à luz de um lampião, mas que tornou-se uma massa capaz de parar a maior cidade da América Latina.

É dia de comemorar a força de uma nação que não esmoreceu durante um longo calvário de 22 anos, oito meses e sete dias – ao contrário, só cresceu e solidificou sua fé. De pertencer a uma legião responsável, em 1976, pelo maior deslocamento humano em tempos de paz de que se ouviu falar. Um povo que vê seus heróis lutarem por democracia em plena ditadura. E que é democrático em sua essência, pois reúne trabalhadores, patrões, homens, mulheres, brancos, negros, índios, mulatos, cristãos, budistas, judeus, muçulmanos... Enfim, qualquer que seja o critério, você vai encontrar um representante entre esse povo.

Hoje eu vou me permitir um presente: vou sair pelas ruas para conversar com as pessoas, mas sem amarras, sem roteiros pré-definidos, sem pensar nas eleições que vêm por aí. Hoje vou festejar o centenário de uma instituição que já fez e faz mais pela democracia e pela alegria da nação do que muitas outras que se intitulam representantes do povo.

Hoje eu vou sair por aí e dizer, com o peito aberto e a alegria no rosto, que eu sou corinthiano. Que meu time é o melhor do mundo – não importa o que dizem os homens de pouca fé, pois eles jamais saberão o que é atravessar as centenas de quilômetros de São Paulo até o Rio de Janeiro, para vencer uma batalha épica – aliás, só nós e os uruguaios podemos dizer que fomos campeões mundiais no Maracanã. Eles não sabem o que é viajar mais de mil quilômetros até Porto Alegre e voltar sem o título, mas celebrando a façanha. Não sabem o que é encher o estádio mesmo estando na última colocação.

Porque não importa se vencemos ou não. Não importa se temos ou não este ou aquele título. Se temos um estádio oficialmente nosso ou se usamos o estádio de alguém. Ou se temos mais ou menos títulos que este ou aquele clube. Ser corinthiano nos basta, o Corinthians nos basta. Nos basta nossa história, nossa luta e nossos heróis, forjados nas arquibancadas frias do Pacaembu, molhadas pela garoa paulistana. Não, eles não sabem.

Hoje é dia de celebrar Vicente Matheus, Oswaldo Brandão e Basílio, o pé de anjo, que decretaram a segunda abolição da história do Brasil. De relembrar Gilmar, Claudio, Luizinho e Baltazar, heróis da conquista do título do IV Centenário. É dia de rememorar as jogadas de Marcelinho, os elásticos de Rivellino, os passes magistrais de Sócrates, o oportunismo de Casagrande, a elegância de Gamarra, a raça de Zé Maria e a categoria de Neto. É dia de louvar Dida, o exorcista, que em duas defesas de pênaltis fez sumir um fantasma que nos assombrou por anos.

Mas também sem esquecer a entrega de corpo e alma de Biro-Biro, o pé tantas vezes salvador de Tupãzinho, a liderança de Rincón e Vampeta e a classe inconfundível de Gilmar Fubá. Do goleiro Ronaldo, um corinthiano dentro de campo, e Viola, que tantas alegrias nos proporcionou.

É dia de rever as jogadas de Ronaldo Fenômeno, que escolheu o Corinthians para sua volta por cima no futebol, e de Tevez, o argentino que caiu nas graças da torcida graças a sua extrema capacidade de reunir, num só jogador, a habilidade que queremos e a raça que exigimos.

Enfim, meus amigos, hoje é dia do mundo conhecer ainda mais a nossa força. Porque, sabemos, todo time tem uma torcida. A nossa é a única torcida que tem um time.

Parabéns, Corinthians!!!