quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dorian Gray ao contrário

Ruy Castro

RIO DE JANEIRO – Caminhar pelas calçadas do Rio em tempo de eleição é disputar uma corrida de 400 metros com barreiras. Difícil dar um passo sem tropeçar nos cavaletes com as fotos dos candidatos.

Temos não apenas de driblá-los, como evitar que nos expulsem para o meio-fio, onde podemos ser atropelados por um carrinho de sorvete empurrado por um infeliz e equipado com um aparelho de som apregoando as virtudes dos candidatos. (Minha ideia de pesadelo é quando o carrinho está indo na mesma direção e no mesmo passo que eu, e não é possível ultrapassá-lo.)

Ao mesmo tempo, essa maratona atlética equivale também a um passeio no trem-fantasma, pelo sorriso alvar e engessado dos candidatos cujas fotos estão nas tabuletas. É o horror em versão Photoshop. São rostos altamente retocados, sem um vinco, uma olheira ou um dente cariado que tornassem mais humanos aqueles homens e mulheres a quem delegaremos nosso destino pelo futuro próximo.

Lembram-me "O Retrato de Dorian Gray", o grande romance de Oscar Wilde. No livro, o heroi continuava jovem e belo na vida real, enquanto o rosto do retrato, escondido num armário, envelhecia e ficava repulsivo, refletindo as maldades e ignomínias que Dorian cometia contra as pessoas.

No caso dos nossos políticos, será exatamente o contrário. Pelos próximos quatro anos, poderemos constatar as deformações monstruosas que a prática operará no rosto deles –os calombos, rugas, veias, cicatrizes e erupções provocados por suas traições ao eleitor, alianças repugnantes, negociatas, assaltos ao dinheiro público etc. Tudo isso, à medida que for acontecendo, ficará gravado em suas indisfarçáveis carantonhas.

Imutáveis, só as fotos. Dentro de quatro anos, as tabuletas com elas voltarão às calçadas, mostrando-os ainda mais jovens e frescos do que nas atuais eleições.

(Publicado na Folha de S. Paulo desta quarta-feira, 8 de setembro)

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