Hoje faz 21 anos que meu avô paterno morreu. Waldomiro Marcelino dos Santos tinha 83 anos e morreu dois meses antes de completar 84. Nascido em 1905, em Queluz (SP), era o mais velho de vários irmãos, dos quais apenas uma ainda está viva. Passou fome, comeu pão com banana verde e rachou muita lenha pra sobreviver.
Em 1930, cerca de um mês antes do casamento, a noiva dele morreu. O futuro sogro não deixou escapar aquele homem valoroso e trabalhador: "Não se preocupe, a Lícia tem 13 anos e, quando fizer 16, ela casa com você", garantiu meu futuro bisavô. Dito e feito: em 7 de setembro de 1933, Waldomiro - então prestes a completar 28 anos - casou-se com Lícia, de 16, e com ela viveu por 56 anos e teve 11 filhos, dos quais sete estão vivos.
Meus avós moraram na roça até 1937, mais ou menos. Saíram de lá pra viver em Lorena -o que não mudava muito a situação naquela época. Do trabalho na roça, foi para a Fábrica Presidente Vargas, em Piquete, onde passou 27 anos alimentando as caldeiras da fábrica de explosivos mais assassina de que eu já ouvi falar. A mão de Deus, no entanto, por várias vezes o salvou de estar lá na hora ou no local das explosões.
Lembro dele com muito orgulho: sério, bravo, mas amoroso com os netos. Não havia quem não dormisse quando ele pegava no colo. Outra lembrança: ele entrar na minha casa, pendurar o chapéu num preguinho que tinha ao lado da porta e comer uma banana. Do relógio de bolso - que eu ainda guardo comigo. De cortar a unha do pé com canivete. Do fogão a lenha cuidadosamente preparado, faltando apenas riscar um fósforo e botar fogo, aquecendo toda a cozinha. Das histórias contadas ao redor do pilão na quinta-feira santa, quando a família se reunia para fazer paçoca, numa tradição que perdura até hoje - a paçoca, não a reunião, infelizmente.
Meu primeiro ato rebelde na vida foi contra ele: repreendido por mexer em algo que não devia, respondi, todo corajoso, no alto de meus três anos de idade: "O senhor não manda em mim. O senhor não é meu pai". A resposta veio certeira: "Pois eu meto a mão em você e no seu pai se precisar!". É claro que não me bateu. E ainda mandou recado pra meus pais de que não era pra me castigar. Se dependesse só deles, levaria um tranco. Mas quem ousaria desobedecer a uma ordem do seu Waldomiro?
Suas únicas distrações eram cuidar da igreja de São Pedro, onde era uma espécie de sacristão, encontrar-se com os amigos aposentados em uma esquina da cidade, e assistir ao "Viola, minha viola", na TV Cultura. São Pedro hoje ele conhece pessoalmente - deve até tomar café com o velhinho lá em cima e cuidar das chaves do céu de vez em quando. Os amigos dele também devem estar lá, junto com ele, relembrando as velhas histórias. O programa de TV é que acho que ele não vê mais com tanta frequência. Pra isso, vai aqui um pequeno vídeo, em homenagem a ele. Vô, um beijão pro senhor. Um dia vamos fazer paçoca aí onde o senhor está, se eu for digno e tiver a ventura de chegar até aí.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
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2 comentários:
Pois é, postou até o "chiquigengengem"do vô, hehe! Ele estava quase roncando, mas jurava que estava assistindo! Um abraço pra vc e pra ele!!
Cau
É verdade. E eu peguei a mesma mania. Só que não acordo com tanta facilidade. Abração.
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